Por Gutembergue Livramento
Por que se fazem necessários novos paradigmas na medicina? Segundo diz o filósofo Thomas Kuhn, o formulador da idéia de paradigmas e de mudanças de paradigmas, um paradigma só é útil aos que o adotam até o momento que começa a revelar paradoxos que não consegue resolver e dados anômalos que não consegue explicar.
Ensaios clínicos estão demonstrando resultados importantes da medicina chamada de complementar/alternativa assim como da cura espontânea, cura por placebo, cura a distância seja por oração ou por meditação indutiva, sendo que todos estes dados são anômalos para o paradigma vigente da física clássica newtoniana e da medicina convencional ocidental segundo o físico quântico Amit Goswami, indicado ao prêmio Nobel. Faz-se necessário um novo paradigma capaz de absorver as medicinas tanto convencionais quanto as ainda, equivocadamente, chamadas de complementares/alternativas.
É importante que se entenda que, nos séculos XVI e XVII, houve uma competição entre a Ciência e Filosofia antigas e a nova Filosofia científica. Segundo consta, na história, nunca houve qualquer competição justa entre estas idéias novas e os mitos, religiões e o pensamento das sociedades não ocidentais. Esses mitos, religiões e pensamentos desapareceram não porque a Ciência era melhor, mas, sim, porque aqueles que defendiam a Ciência eram os conquistadores mais aguerridos além de suprimirem materialmente os defensores da assim chamada “cultura alternativa”. Nunca houve realmente qualquer pesquisa ou comparação dita objetiva entre estes conceitos e idéias. Foi um processo onde sobrepujou a força daqueles que colonizaram, suprimindo qualquer idéia daqueles dominados. Muitas vezes, hoje, as sociedades científicas ou leigos descartam determinados conhecimentos por estarem fora da sua concepção de realidade sem nem questionar que podem estar descartando conhecimentos primorosos e de grande impacto na qualidade de vida da população em todo o mundo. Mesmo aquelas idéias antigas que porventura foram testadas, tendo como ferramenta a nova ciência, o que já é limitante, por preconceitos e sem o preparo adequado dos pesquisadores para o entendimento daquela essência foram descartadas como inferior.
Segundo fortes dados históricos, a superioridade da ciência atual não se explica simplesmente, por pesquisas ou argumentos amplos, mas por resultado de pressões políticas, institucionais e até militares em diversos momentos da história.
Pesquisas mais recentes na Antropologia e Arqueologia demonstraram que nossos ancestrais tinham teorias médicas e biológicas, cosmológicas além de altamente desenvolvidas eram mais eficazes que os ocidentais, mas descrevem fenômenos que não podem ser compreendidos pela lógica dos laboratórios.
A China conseguiu escapar da dominação da Ciência ocidental até o século XIX, mas, no início do dito século, foi importada do ocidente a Ciência por uma geração chinesa encantada com a superioridade material e intelectual observada no mundo ocidental e cansada da antiga cultura chinesa e suas restrições. Quando esta Ciência chegou à China, marginalizou e ridicularizou todos os conhecimentos milenares e tradicionais, retirando-os das escolas como exemplo a Medicina Chinesa (acupuntura, ventosaterapia, moxabustão, fitoterapia, tuina e qigong) e suas teorias, sendo que a medicina ocidental foi colocada como a única medicina “correta” e sensata. Isto perdurou mais de um século, quando, a partir de 1952, o partido comunista chinês (PCC), que governava desde 1949, restitui o poder à medicina chinesa, voltando a ser praticada largamente nos hospitais e ensinada nas universidades. Muitos conhecimentos antigos ficaram perdidos nestes movimentos, mantidos somente por alguns estudiosos da ciência antiga, até mesmo aqueles que são hoje ensinados em universidades chinesas. Por ter permitido a disputa mais justa na China entre a Ciência ocidental e a Medicina Tradicional Chinesa (MTC), sabemos, hoje, por resultado de pesquisas bem elaboradas, que em muitos casos o diagnóstico e tratamento da MTC superam e muito os mesmos da Ciência ocidental. É necessário construir um novo paradigma médico onde poderemos absorver o melhor de ambas as medicinas.
Segundo Paul Feyerabend, em seu livro Science in a free society, a lição que devemos aprender é que ideologias, práticas, teorias e tradições não científicas podem se tornar rivais poderosos revelando deficiências contundentes da Ciência, desde que seja dada uma justa oportunidade para competir. É tarefa das Instituições de uma sociedade livre lhes dar esta oportunidade justa.
O paradigma médico da medicina convencional ocidental está estritamente interligado à física clássica, mesmo depois de mais de um século de estudos da física quântica e sua comprovação científica. Dentre todos os paradigmas da física clássica que obscurece a expansão da percepção de vários fenômenos está o da Existência; a realidade fora de nós, que é dita objetiva, está separada e independe da nossa consciência. Isto faz com que os praticantes da medicina convencional ignorem o papel causal da consciência do curador e do paciente no processo de cura.
Outro dado preconceituoso importante é o materialismo estrito; diz que tudo é feito de matéria e de seus correlatos; no caso, a energia e os campos de força. A mente torna-se epifenômeno da matéria. O pensador materialista tem que ter mais “fé” que qualquer um, pois nunca a ciência comprovou que o Universo é só material. A doutrina da causação ascendente estimulando a ver que as partículas elementares formam átomos, que formam moléculas, que formam células, que constituem os tecidos e o corpo incluindo o cérebro e este cérebro forma a consciência e a mente. Portanto, relega-se a consciência a uma existência de figuração sem efeitos causais. Então, como curar a si mesmo? Se a mente e o cérebro têm que ser igualados. Neste caso, não haverá espaço para o significado.
Segundo o físico quântico Amit Goswami, com o pensamento clássico ou você entende a consciência, a mente e o corpo vital como epifenômenos, ou os considera entidades separadas, duais, e então o dualismo o atormenta. A pergunta é: como objetos separados podem interagir? Assim praticantes da Medicina Ocidental, adeptos ao modo de pensar clássico, são forçados a ignorar dados bem fundamentados da cura Mente-Corpo e o sucesso bem consolidado da Medicina Tradicional Chinesa, porque a alternativa é um equívoco filosófico que atribui ao cérebro e ao corpo físico a eficácia causal da consciência que trabalha em conjunto com a Energia vital e a mente.
Mostra o físico Amit Goswami que este parâmetro já foi demonstrado nos últimos cem anos como insuficiente pela ciência quântica para determinar as manifestações da realidade. Parâmetro ignorado, mesmo comprovado, pois fere, de forma implacável, grande parte da construção dos conceitos tecnológicos, físicos e médicos dos séculos XIX e XX. Enquanto não houver mudança deste paradigma vigente, estas ciências, milenares como a Medicina Chinesa, efetivas nos últimos 5000 anos, estarão fadadas a serem utilizadas de forma equivocada e insipiente na sua totalidade de possibilidades gerando dúvidas em sua eficácia plena. É necessário incluir estas ciências, instituindo novo paradigma, aqui proposto, deixando para trás termos para estas medicinas como alternativa e/ou complementar, empregado sob forte carga de inconcebível preconceito.
Os praticantes da medicina convencional acreditam que o processo de cura é orientado para a causa e que essas causas atuam de modo contínuo e linear. Então, a cura produzida por estas causas também deve ser contínua e gradual. Há o preconceito da continuidade traduzindo-se em gradualismo na remissão da doença. Mas há casos documentados de remissão espontânea, até mesmo casos graves de câncer, não sendo graduais, mas repentinos. Como explicar?
Ainda utilizando a experiência de Goswami, outro preconceito que vem da física clássica é a crença na localidade – segundo a qual todas as causas e efeitos devem ser locais e propagar-se pelo espaço por meio de sinais, num período de tempo finito. Isto vai de encontro a pesquisas científicas demonstrando cura a distância, com orações ou meditação indutiva, sem nenhum sinal físico entre o curador e o paciente. A causação descendente é a influência da consciência sobre a matéria.
Enquanto o foco estiver em controlar as manifestações resultantes das diversas incongruências, não lineares, do organismo em relação a sua condição de equilíbrio interno, sua homeostase, assim como ao meio no qual vive, e a “realidade” de suas crenças e sua consciência, nenhum controle em patologia crônica será plenamente eficaz. Para isso faz-se necessário ampliar os horizontes do pensamento vigente e agir sob mecanismos capazes de realmente mudar a força da adaptação e saúde do indivíduo de uma forma integral impactando a incidência e os agravos das diversas patologias crônicas. Se as patologias cronificam-se pela perda da capacidade do organismo em manter seu equilíbrio dinâmico, a única oportunidade para restabelecer a saúde é recapacitando o sistema como um todo na integralidade do Ser. Restabelecer a saúde não é evitar os sintomas, mas reintegrar o ser humano dentro de sua condição plena de percepção da realidade de sua condição física, psíquica e energética. O paradigma da separação e Dualismo Mente-Corpo dificulta o entendimento e desenvolvimento de práticas realmente eficazes no enfrentamento das patologias crônicas e seus agravos. O medicamento alopático, apesar de sua contribuição indubitável no combate aos agravos e manifestações clínicas, não restitui a integralidade do Ser humano em seus mais diversos aspectos, como conseqüência não restitui a saúde integral. É possível perceber em ensaios clínicos onde se trabalha com indivíduos com patologias crônicas, que estes não estão apenas doentes fisicamente mas se sentem “deslocados” na sua percepção de integralidade do Ser. Quando se utiliza uma medicina integradora estes mesmos indivíduos apresentam mudanças significativas na percepção de todos os aspectos físicos, psíquicos e energéticos com impacto positivo e significativo em diversos sinais e sintomas outrora apresentados mais principalmente na melhora da qualidade de vida de forma ampla. A mudança real das condições da saúde responde não de forma linear, como espera o paradigma atual, mostrando uma ação e uma reação direta. Como ministra um medicamento, espera uma alteração. A mudança real desta condição mostra-se de forma não linear e as intervenções devem responder da mesma forma atuando, modificando, ajustando o ser humano de forma integral; dito por muitos e entendido por poucos. Aspectos de ordem física e psíquica se alteram concomitante às condições da saúde e a impressão de estar saudável ou não está dissociado de algum parâmetro isolado, independe do nível, por exemplo, da pressão arterial, mas sim, da integração sem Dualismo e separação das condições Mente-Corpo o que gerará como conseqüência a Saúde e os dados conhecidos como dentro da normalidade, inclusive, no caso, da pressão arterial.
Como exemplo de ciência que se aplica aos conceitos ampliados da medicina quântica está o Qigong, que é uma prática milenar pertencente à Medicina Tradicional Chinesa e que propõe agir de forma integral em diversos aspectos da condição humana, como seus processos bioquímicos, psíquicos, emocionais, energéticos (eletromagnéticos), agindo na consciência e percepção do equilíbrio destas condições. Para isto, utiliza conscientemente a respiração, atitude mental e visualizações corretas, movimentos do corpo bem estudados que estimulam condições do sistema neuroimunoendócrino e Hipotálamo-Hipófise-Adrenal assim como o fluxo de energia do corpo, bem conhecido pelos chineses como Qi, restabelecendo a quantidade, qualidade e como conseqüência fluxo adequado desta energia; tendo, então, a recapacitação do sistema restabelecendo a saúde nos mais diversos níveis promovendo a auto-cura.
Mostro, aqui, finalmente, o físico Goswami abordando que um paradigma é um conjunto de premissas metafísicas, de suposições subjacentes complementares e de sistemas lógicos implícitos ou explícitos nos estudos regulares de um grupo de cientistas, num determinado campo da atividade humana. De acordo com essa definição, a medicina convencional Ocidental dispõe de um paradigma operativo que tem como base a metafísica materialista, a física clássica, a bioquímica, a biologia molecular e o neodarwinismo.
Sendo a matéria, a única base das coisas não há espaço para manifestações como o Qi (energia vital), termo utilizado na base da teoria da Medicina Chinesa.
O grande absurdo, se não desrespeito e pretensão, está na tentativa de compreender ciências milenares como a Medicina Tradicional Chinesa sob a óptica da ciência clássica moderna e medicina convencional que têm paradigmas diferentes estruturados na matéria como base de todas as manifestações.
Assim a causação descendente, a não-localidade e a descontinuidade são contribuições profundas da ciência da Física quântica para a mudança dos paradigmas na Ciência atual corroborando para o entendimento e conseqüente aceitação dos conceitos médicos de cura da Medicina Chinesa e de outras medicinas não convencionais que mostrem resultados contundentes.
A proposta da formação de um novo paradigma está baseada na inclusão das ciências clássica e quântica e não de exclusão. É necessário realizar a integração e ampliação dos conceitos milenares e atuais para benefício de toda a humanidade e não de interesses de grupos profissionais ou indústrias envolvidos nas terapias das doenças ou na prevenção.
A Medicina Chinesa, evidenciando não somente o Qigong, é uma das formas mais antigas e atuais de prevenção e tratamento para patologias crônicas gerando bem estar e plenitude para a Mente-Corpo.
A ciência deste século XXI tem um grande desafio em suas mãos: a busca de uma compreensão maior da realidade em que vivemos, pelo simples fato de não nos satisfazermos mais somente com uma melhor tecnologia, seja esta no campo da medicina, genética, física, química, da cosmologia, etc. Mais do que nunca, sentimos a necessidade de buscar novos níveis de consciência, para percebermos o incrível potencial e o propósito da vida e da saúde plena, sendo que, para isto, precisemos nos desancorar do fragmentário, do mecânico e do pensamento linear de Darwin, Descartes e Newton, sem, no entanto descartá-los.
Dr. Gutembergue Livramento
Mestre em Medicina e Saúde Humana (Escola Bahiana de Medicina).
Especialista em Medicina Chinesa (Brasil/China).
Especialista em Fisiologia (UGF), Fitoterapia (UFBA).
Mestre membro do Centro de Taiji quan/Qigong de Shenzhen, Guangdong, China.
Fundador e Presidente do IBRAPEQ (Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa em Qigong e Medicina Chinesa).
Fisioterapeuta (EBMSP), Engenheiro (UCSal) estudioso e pesquisador da ciência quântica.