Acupuntura em Saúde Pública – Minha experiência

Chegamos ao Hospital Municipal Miguel Couto, Rio de Janeiro, em 1991, ainda como estudantes. Naquela altura, muitos profissionais já trabalhavam para implementar nas unidades públicas de saúde a medicina tradicional chinesa, especialmente a acupuntura e os exercícios terapêuticos através do Tai Ji Quan.

Sonhávamos em levar essas práticas para a população de baixa renda, por acreditar na sua boa receptividade e eficácia por um baixo custo.

Seguimos naquele hospital atendendo toda demanda de pacientes com doenças crônicas e incapacitantes, que encontravam ali uma terapêutica de resultados consistentes. Desenvolvemos protocolos e normas de atuação, de forma integrada com a medicina convencional, e regras de assepsia, iniciando os primeiros registros de uma experiência gratificante por longos anos, até seu encerramento por conta de mudanças administrativas.

Transferimos nosso engajamento em 1995 para a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), também no Rio de Janeiro, onde inauguramos o Setor de Acupuntura. O setor funcionava de segunda a sexta em horário integral, tendo se inserido bem nas rotinas do centro de reabilitação, ocupando seu lugar na equipe multidisciplinar da ABBR. Foram dois anos e meio de trabalho integrado e documentado, que teve seu fim por conta de uma minoria que defendia interesses corporativistas.

No entanto, nossos bons resultados se propagaram pela rede municipal de saúde e, com isso, várias unidades nos convidaram a expor palestras sobre a experiência clínica no tratamento da bexiga neurogênica com acupuntura. Nossa iniciativa resultou na implantação do Setor de Acupuntura do Instituto Oscar Clark (IOC). Esse trabalho se iniciou em setembro de 2000, cresceu e teve um importante papel, sempre com atuação em equipe e absorvendo pacientes crônicos que não conseguiam vaga ou já não evoluíam bem nos tratamentos convencionais. Assim, conquistamos mais uma experiência positiva com acupuntura, desta vez contando com uma grande equipe de profissionais da saúde, formada por alunos, por nós supervisionados, do curso de pós-graduação em acupuntura conveniado com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Após a publicação da Portaria nº 971, de maio de 2006, que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde, esperávamos incentivo maior da Secretaria Municipal de Saúde para aquela unidade. No entanto, fomos surpreendidos pelo que chamamos na época de “reação contrária à portaria do Ministério da Saúde”, quando nosso trabalho foi interrompido, apesar das reivindicações dos pacientes e dirigentes do hospital. Sem maiores explicações, entendemos que a portaria contrariava os interesses de pequenos grupos.

É incrível pensar que há 30 anos muitos profissionais da área da saúde já trabalhavam para implementar a acupuntura, os exercícios terapêuticos chineses e outras práticas integrativas na época chamadas “alternativas”.

Hoje, parece que evoluímos apesar das dificuldades e várias ações vêm sendo realizadas, conforme exemplificam as seguintes citações:

“Nesta dimensão, a medicina tradicional chinesa tem duas características importantes que justificam a necessidade de sua incorporação, difusão e popularização no ocidente. Por um lado, consiste numa prática milenar, ou seja, consagrada, experimentada, amplamente testada ao longo de muitas gerações humanas, constituindo, hoje, um patrimônio da humanidade voltado para a preservação da capacidade vital e da saúde.” (Livramento, 2010)

“Ao momento político propício deve seguir-se, também, o engajamento de técnicos dos Ministérios da Saúde, da academia, do setor privado e da sociedade dos dois países. O Brasil deve refletir, em todas essas instâncias e dimensões, sobre o que quer da China e o que tem a oferecer em sua experiência na saúde pública. Algumas áreas começaram a delimitar-se no contexto recente de aproximação política bilateral, tais como: pesquisa e desenvolvimento, medicina tradicional, troca de experiências e conhecimentos em políticas públicas de saúde e concertação política nos foros multilaterais.”

“Apesar de já existirem diversas colaborações entre o Brasil e a China na área de medicina tradicional, como a formação de médicos brasileiros em práticas da medicina tradicional chinesa – financiada, geralmente, pelo setor privado chinês –, a institucionalização da parceria bilateral é de crucial importância para que essa cooperação seja uma colaboração horizontal, com troca de experiências. A institucionalização busca garantir esse modelo de cooperação, com objetivos de longo prazo, para que o conhecimento transferido possa beneficiar a população brasileira, principalmente a parcela que depende unicamente do SUS, correspondente a cerca de 70% da população.” (Darvenne, 2017)

 

 

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