A primeira vez de uma acupunturista

Cátia Raposo

Conheci a acupuntura em 1988, com 20 anos de idade. Aos 17, praticava Tai Ji Quan e me encantava com as palavras do professor, que ao final das práticas nos deixava sentados no chão enquanto discorria sobre o taoísmo.

Foi nessa época que tomei a decisão: passar o resto da vida estudando e fazendo algo ligado à saúde e à filosofia chinesa. Adquiri, então, a versão do livro “I Ching” com prefácio de Richard Wilhelm, o qual segue em minha cabeceira há 33 anos.

Pouco tempo depois tive minha primeira experiência como paciente de acupuntura. Era uma jovem indignada, cheia de fleuma e sofria de rinite alérgica. Como já cursava o primeiro ano da formação em acupuntura, fui me tratar no ambulatório-escola do meu curso. Lembro-me bem das fortes sensações provocadas pelo estímulo das agulhas, o que me conduziu rapidamente ao estado alfa, me levando a um sono profundo.

Acordei delirante após mais de duas horas deitada com as agulhas e demorei um pouco para compreender o que havia ocorrido e onde estava. Avistava uma janela, não reconhecia o lugar e nem conseguia reagir. Estava com febre de 40º C. Chamei, chamei e ninguém apareceu.

Isso mesmo, eu tinha sido esquecida. O supervisor confiou no monitor, que confiou no aluno, que foi embora apressado numa espécie de “deixa que eu deixo”. E lá estava eu, arrasada, arrancando agulhas do próprio corpo e lutando para sair daquela situação.

Então, me vesti e desci as escadas agarrada ao corrimão, completamente tonta e indisposta pela febre alta. Um rapaz fazia a limpeza num canto do térreo e se assustou quando me viu. Pedi ajuda para pegar um táxi e segui para a Policlínica de Botafogo (RJ).

Lidando com a realidade

Na emergência, fui atendida por um médico otorrinolaringologista, que diagnosticou um quadro agudo de sinusite.

Saí de lá com a prescrição de antibiótico, sentido forte dor de cabeça, os olhos pareciam querer saltar do rosto, muita pressão na testa e muco purulento. Eu, que só me tratava com homeopatia, tomei aquele antibiótico sem titubear, assustada, fragilizada e confusa com o que tinha acontecido.

Fiquei de cama, fazendo inalação, tomando antitérmico, analgésico e antibiótico. Estava um pouco chateada e ainda não compreendia o que tinha acontecido. Confesso que dentro de mim um sentimento de surpresa e certa euforia cresciam pouco a pouco.

Voltando à escola após minha incrível experiência

Passados três dias e já recuperada, voltei ao instituto e contei ao mestre e aos colegas de curso o que havia se passado. Todos davam suas opiniões e procuravam uma explicação para uma pessoa sair de um estado de relativo equilíbrio, passando tão rápido para um quadro de infecção aguda. Vamos considerar que havia um histórico de rinite alérgica crônica criando uma predisposição e a presença de bactérias, que se mantinham sob controle até aquele momento. Mas, como em pouco mais de duas horas ocorreu aquela evolução inacreditável?

Enquanto os responsáveis tentavam se desculpar, eu só pensava: “Como é incrível a acupuntura! (Estava maravilhada….) Como ela é poderosa!”.

Tempos depois, após pesquisar e ouvir explicações de acupunturistas experientes, comecei a compreender melhor o que tinha se passado.

Minha compreensão

Os pontos estavam bem selecionados e o procedimento foi bem executado. Infelizmente, mas não por acaso, a permanência das agulhas no corpo por mais de 2 horas levou a um esvaziamento de energia correta, especialmente em pontos considerados de raiz, que buscavam a tonificação. Bactérias oportunistas se multiplicaram de forma desenfreada e o quadro agudo se instalou rapidamente, já que havia um terreno propício.

A febre alta foi resultado desse desequilíbrio e do organismo buscando combater a infecção. Não tive depois de adulta febre tão alta e aquela foi a pior sinusite da minha vida.

Por que me senti tão estimulada?

Numa espécie de “há males que vem para o bem”, esse fato me influenciou fortemente. Se existia alguma dúvida de minha parte sobre o poder da acupuntura, passei a acreditar muito no que resolvi seguir como carreira. Aprendi sobre a importância de localizar bem os pontos e alcançar o deqi e sobre como essa etapa faz diferença. Ponto é ponto, e não área.

Além disso, o tempo de permanência das agulhas deve ser respeitado. Muitos trabalhos científicos falam sobre esse tempo. Pode-se considerar 20 minutos um tempo médio, sendo maior sedante e menor tonificante. Devemos considerar outras variantes, como idade, constituição e natureza da doença. O ideal é observar as reações do paciente e monitorar o pulso.

Se uma sessão de acupuntura provocou tudo aquilo em mim, poderia igualmente reverter quadros importantes positivamente. Essa foi minha conclusão, a qual ficou registrada pela experiência vivida, diferente de quando se aprende estudando e obtendo uma informação.

É preciso dominar bem a técnica. Acredito que devamos nos envolver profundamente, estabelecendo confiança em cada etapa da assistência.

O que desejo despertar sobre bons resultados

Contei minha primeira experiência como paciente de acupuntura com o objetivo de gerar reflexões no leitor a respeito dos fatores que influenciam o resultado do tratamento através desta medicina.

Ser um terapeuta acupunturista completo exige muita dedicação e investimento pessoal. E o aprimoramento deve ser a força motriz do nosso desenvolvimento. Conscientes das nossas limitações, estamos sempre buscando aumentar os conhecimentos e desenvolver a técnica.

Necessário é compreender a natureza e o padrão da desarmonia através da escuta, observação e palpação, utilizando nossos conhecimentos, sensibilidade e percepção, buscando o que muitas vezes se esconde atrás do próprio entendimento do paciente sobre si e sobre o seu sofrimento.

Acredite na “entidade síndrome energética” e procure por ela. Imagine o tesouro que é, por exemplo, identificar um padrão de deficiência do Yin do Rim e do Pulmão e que nele habita uma espécie de start para que o corpo, a partir daquele momento, busque, em seu tempo, os caminhos para recuperar os mecanismos de adaptação fisiológica, reparando tecidos, ajustando a liberação de substâncias endógenas, aumentando seus limiares, acelerando ou desacelerando o metabolismo, aprofundando o sono etc. Enfim, tudo o que for fundamental para a recuperação do estado de equilíbrio.

Precisamos ter clareza diagnóstica, saber o que está ocorrendo para então saber o que deve ser feito. Não é difícil selecionar pontos para enjôo, dor de cabeça ou insônia, as famosas receitas de bolo. Difícil é ter domínio e consciência do quanto um sistema médico milenar como este pode ajudar de forma consistente o homem de hoje, em sua complexidade, fragilidade e desafios.

É necessário mais do que só acreditar no diagnóstico sindrômico, é igualmente importante reconhecer a importância de selecionar bem os pontos de acupuntura e saber localizá-los com precisão.
Sabemos que agulhas de acupuntura espalhadas pelo corpo não promovem um profundo efeito terapêutico.

Defendo que minha primeira experiência como paciente de acupuntura foi rica e muito válida. Fui vítima do esquecimento, mas premiada com efeitos impressionantes.

Não espero gerar insegurança, mas sim estimular os profissionais a procurarem o aprimoramento de forma incansável e a refletirem sobre o grau de atenção plena e concentração que esta prática exige.

Cátia Raposo
16 de maio de 2019
Dedico ao mestre Gutembergue Livramento, que hoje estaria completando 51 anos.