A revolução do coronavírus e a parada imposta pela quarentena trouxeram a oportunidade de recapitular um pouco a minha história.
O desejo de ser acupunturista veio ainda criança, quando minha mãe pedia para eu colocar a ponta dos dedos na sua testa a fim de aliviar a dor de cabeça. Tenho a lembrança de enxergar pontos, e tocava neles convencida de que aliviaria o desconforto de minha mãe.
Ainda menina, sonhei que era acupunturista no Hospital Municipal Miguel Couto (HMMC). Meu pai, que já não estava neste plano, consentia com a cabeça.
Aos 21 anos, na faculdade de fisioterapia, descobri o gosto por estudar neurologia, então meus primeiros anos de carreira foram dedicados ao atendimento domiciliar de pacientes neurológicos com acupuntura. A decisão por estudar medicina chinesa já estava tomada desde os 16 anos, quando nas aulas de Tai Ji Quan escutava o professor falar sobre o taoísmo.
Naquela altura pensei: “Quero estar envolvida com este conhecimento por toda a vida”. Foi quando comprei minha primeira versão do “I Ching – o Livro das Mutações”, que nunca mais deixou minha cabeceira.
Fiz formação no Instituto de Acupuntura do Rio de Janeiro (IARJ), onde tive a felicidade de ter como primeiro mestre Dr. Orlando Gonçalves, discípulo de Frederico Spaeth, sumidades em pulsologia chinesa. Meu estágio foi no HMMC, sob supervisão do Dr. Ronaldo Azem, quem muito trabalhou pela acupuntura do segmento público no início dos anos 90.
Alguns anos depois, me tornei supervisora daquele serviço, como professora do Colégio Brasileiro de Acupuntura e Medicina Chinesa (ABACO), onde permaneci como coordenadora acadêmica de 1998 a 2011 e como professora até 2013. IARJ e ABACO tinham na época convênio com a Secretaria Municipal de Saúde, o que trouxe a oportunidade de excelente treinamento para os alunos das duas instituições.
Em 1995, aos 27 anos, realizei o sonho de implementar e ver crescer a acupuntura na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR). Junto com Paula Peixoto, também fisioterapeuta acupunturista, dividimos a carga horária de 60 horas semanais. Cada minuto valeu a pena! Tivemos muitas experiências positivas com os pacientes de reabilitação e, desta vez, diferentemente do HMMC, de forma integrada com a equipe multidisciplinar do centro de reabilitação. Foi um trabalho de intercâmbio e ação conjunta, do qual o paciente era o maior beneficiado.
Atendíamos na ABBR pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), de todos os convênios e particulares. Eram em média quatro atendimentos a cada 45 minutos. Chegamos a atender pacientes com lesão medular diariamente, grande parte deles residiam na ABBR. Contávamos com a ajuda da Maria Paixão, quem, após treinamento, se tornou especialista em dar suporte a acupunturistas. Vimos nascer ali uma nova profissão: a atendente em acupuntura. Ainda hoje, Maria cuida do ambulatório de treinamento da ABACO.
Após dois anos e meio de crescimento, bons resultados e resistência, recebemos um comunicado informando que nosso setor seria transferido para a Capela Ecumênica da ABBR. Após não concordarmos com a mudança, obviamente fomos todas demitidas. Estávamos contrariando interesses…
Nosso reconhecimento correu várias unidades de saúde e os resultados chamaram a atenção de diretores de alguns hospitais. Desta forma, fui convidada a dar palestras em congressos e hospitais. O resultado foi a implementação do Setor de Acupuntura do Instituto Oscar Clark (IOC), maior centro de reabilitação do Município do Rio de Janeiro na época.
Lá estive junto com outros professores, supervisionando alunos em treinamento. Pacientes eram beneficiados; diretores, médicos, terapeutas e funcionários estavam satisfeitos com a integração da acupuntura a os outros tratamentos.
Sendo assim, nossa experiência chegou a outras instituições: estabelecemos parcerias, estruturando ambulatórios no Rio e nas principais capitais do país, locais que representavam campo de treinamento do curso de pós-graduação em acupuntura para profissionais da área da saúde. Um exemplo foi o ambulatório de fisioterapia da Polícia Federal, na Praça Mauá.
Em maio de 2006, o Ministério da Saúde baixou a Portaria nº 971, aprovando a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, a qual contemplava e estimulava a prática da acupuntura nas Unidades Públicas de Saúde. Naquela altura, além da orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), não havia mais dúvidas quanto à eficácia e viabilidade da técnica.
Estávamos todos felizes com esse avanço na saúde pública. No entanto, ainda em 2006, houve pressão na diretoria do IOC para o fechamento do serviço. Era uma reação de grupos contrários ao crescimento da acupuntura.
Nosso serviço fechou, mesmo contrariando direção, chefias, médicos, terapeutas e uma longa fila de pacientes aguardando vaga.
Sempre acreditei na Medicina Tradicional Chinesa (MTC) como um verdadeiro legado da humanidade. Viável, eficiente, com indicações para grande parte das doenças de nível ambulatorial e largamente experimentada. A OMS reconhece sua prática e estimula sua expansão, especialmente nos países em desenvolvimento.
A acupuntura traz excelentes resultados e deve ser para todos, sem distinção de classe social, raça, credo ou gênero.
Muitas histórias me sensibilizaram ao longo do tempo. Gostaria de assistir à área da saúde crescer, contando com o intercâmbio entre os conhecimentos científicos do ocidente e a MTC.
Acompanho excelentes profissionais lutando por esta causa em todo o país, no entanto estamos na contramão do resto do mundo. O Brasil ainda não possui uma lei da acupuntura, o que prejudica as políticas de incentivo de sua prática, assim como o seu desenvolvimento acadêmico.
Saiba mais sobre a regulamentação da acupuntura no nosso país. ***